E então a tempestade começou. A chuva pesada batia no vidro reluzente da janela, anteriormente tão alegre, o aroma das flores envolvendo a todos em sua beirada e a criança se debruçando feliz pedindo à sua mãe que lhe trouxesse mais um delicioso cupcake, formosamente enfeitado.
Mas muito tempo se passara desde então. Não havia mais criança alguma ali. Apenas se espalhava uma maré de tristeza. O jardim antes repleto de flores e borboletas a rodeá-las agora era apenas uma calamidade sem sentido algum; e o gramado, outrora tão verde, era só folhas secas, caídas ainda no outono.
Porém já era verão; verão de noites muito chuvosas e relampejantes, como esta. A casa estava deserta. Uma grossa camada de poeira cobria os móveis, objetos, tapetes, o chão, os quadros... Não havia ninguém ali dentro, exceto uma moça de aparência jovem, sentava no sofá-cama, ao lado de um violão e várias folhas, usadas para escrever músicas que faziam muito sucesso nas rádios da região.
Ela observava atenciosamente as pessoas na lanchonete em frente a casa. Conversavam, riam, comiam, conversavam novamente e, logo após, riam de suas próprias piadas. A moça encolheu-se e tinha uma expressão tão triste! Parecia destruída, como se alguém realmente querido tivesse morrido. Mas ela sabia que não era isso. Quase chegava perto, contudo não era nada além de esquecer e perdoar.
Havia também ao lado da lanchonete um ponto de ônibus, e este acabava de estacionar ali, esperando que seus passageiros entrassem. Um dos rapazes apontou em direção ao ônibus, todos se levantaram, pagaram a conta e subiram no transporte, que os levaria à cidade vizinha, para se divertirem, afinal a cidade em que se encontravam era tão pequena com seus quatro mil habitantes que o máximo que chegava era aquela lanchonete pouco badalada, mas ponto de encontro dos jovens da cidade. A moça, porém, nos últimos anos se sentia tão sozinha, tão traída que perdera a vontade de sair com os amigos, mesmo que fosse até ali no outro lado da rua.
Resolveu que poria as coisas em ordem no caminho. Arrumou uma bolsa e saiu desabalada pela chuva, com o violão na mão, entrando no ônibus um pouco antes de este ter saído. Não sabia o que a fizera tomar aquela louca decisão. Estava confusa. Aliás, sempre estivera, entretanto, nos últimos meses, se sentia mais atordoada ainda.
O transporte chegara rápido à grande cidade. A jovem garota poderia se perder com facilidade naquela cidade tão grande, tão complicada, tão cheia de gente. Abriu seu guarda-chuva e foi caminhando... Seu destino? Ela não tinha rumo. Só queria esquecer-se de tudo. Queria esquecer-se de terem a esquecido.
Caminhou e achou-se passando pela periferia da cidade. Parecia uma área abandonada. Havia ali um parque de diversões, um tanto estranho, por que estava deserto e, no entanto, o carrossel estava funcionando. E então a alma daquela criança tão pura, que sempre brincava no jardim alegre com seus amiguinhos, que pedia mais e mais cupcakes para sua mãe estava viva novamente. Despertara-se. Embora isso não fosse suficiente para superar tudo o que ocorrera, era o bastante para tomar coragem e pôr em ação algo que, até pelo menos uma hora atrás, parecia impossível.
Aquela jovem tomou coragem para fazer o que devia realmente fazer, pois não queria esquecer nada. E não queria que os outros a esquecessem. E foi assim que ela foi ao parque, as pessoas esperavam o pequeno show de uma banda da região, ainda pequena, mas que causaria grande estrondo mais tarde. Entrou pelos fundos, escondida. E, pouco antes do horário marcado para acontecer, enquanto os integrantes do grupo ainda se preparavam para entrar no palco, os holofotes se acenderam, os instrumentos começaram a tocar. E ali, no meio do palco, a moça cantava, encharcada pela chuva, mas se sentindo aquela pequena garotinha; não porque era imatura ainda, mas pelo tempo, anos aliás, que perdera, trancada em casa, sem saber o que fazer.
E o carrossel girava em uma velocidade escandalosamente rápida, a moça cantava parada ali em frente, observando as tantas crianças que agora entravam no parque e brincavam no carrossel. Também continuava a cantar, enquanto estava desesperada em casa e uma grossa lágrima escorria pelo seu rosto.
By: ♥Rafaela♥
